Clara HaddadClara Haddad em "QUEM CONTA UM CONTO"

Clara Haddad é atriz e contadora de histórias.

Quem visitar seu blog http://elavemhistoria.blogspot.com/ vai saber um pouco mais sobre a trajetória da artista que vive em Portugal e trabalha aqui e acolá.

Laerte Vargas: Clara, como interagem a “Clara Atriz” e a “Clara Contadora de Histórias”?

Clara Haddad: Para mim, a “Clara Atriz” e a “Clara Contadora” se encontram e interagem na vontade de dar o melhor de si sempre, na disciplina, na honestidade com que desenvolvo o meu trabalho e na determinação em alcançar um objetivo.

A “Clara Atriz” gosta de textos dramáticos e densos, onde possa viver situações diferentes da vida, onde possa vivenciar modos diferentes de ser, de ver o mundo, de falar e de estar… Gosto dos desafios que o teatro propõe ao ator.

A “Clara Contadora” é a Clara com seu jeito de ser e interagir com as pessoas. Não tenho um personagem construído. Sou eu mesma e vivo o momento. Sinto e faço. É intuitivo, vivo e orgânico. Gosto demais disso porque tudo se torna possível, sem medo ou receio de errar e, talvez por isso, eu tenha me apaixonado tanto por esta arte. A troca de olhar e de energia com as pessoas é algo que fica marcado para sempre em mim.

  • O ator representa, o contador apresenta. O que você acha dessa afirmação?

Acredito que, a grosso modo, esta afirmação “define” a arte de contar e a arte de representar.

A meu ver, é esse o fascínio por contar histórias: poder apresentar uma história sem ter um ponto de vista apenas, mas vários. E brincar com isso. Deixar com que as pessoas vejam “o filme da história” através do brilho dos nossos olhos ao narrar.

A naturalidade e a interação com o público que nos ouve fazem a diferença. E cada um vai descobrir sua própria técnica, seu jeito, a partir de suas possibilidades pessoais, habilidades e vivências.

Acredito que a formação do ator ajuda bastante, pois trabalhamos corpo e voz ao pormenor, mas a alma do contar não se aprende: ela é sentida. Talvez essa minha afirmação provoque certa polêmica, mas é meu ponto de vista.

Muitas pessoas não possuem essa formação de palco, mas são grandes, têm alma e luz próprias quando contam. Entretanto, também há o outro lado: pessoas que são ótimas, têm voz, gestos, mas querem aparecer mais do que qualquer coisa. E aí, ao final, você se pergunta: onde está a história? Acho que, na arte de contar e na arte de viver, é preciso ter humildade, estudar e ler sempre. Quem pensa que sabe tudo morreu.

  • Quais elementos costuma usar nas sessões?

Nas sessões para adultos, conto somente baseada na palavra. Algumas vezes monto sessões de contos especiais, performances ou espetáculo de narração com a participação de um músico ou sonoplasta. A meu ver, pode-se utilizar alguns elementos cênicos sem perder a essência da arte de contar e ter uma visão contemporânea e artística do contador de histórias.

Na sessão infantil, em bibliotecas, livrarias e escolas, algumas vezes utilizo música de fundo para dar ambientação ao local e é muito raro usar objetos. O que varia aqui é a forma como falo, os gestos e as histórias. Também tenho espetáculos para este público juntamente com músicos.

O único trabalho que tenho que não posso considerar um espetáculo de narração e sim um espetáculo de teatro para infância é “Viagem com os Grimm”. Nele narro alguns contos dos irmãos Grimm como um personagem-narrador e uso recursos multimídia. É interessante essa junção de elementos, pois brinco com o narrar e o interpretar num mesmo trabalho.

  • Sua pesquisa de repertório, como se dá?

Tenho verdadeira paixão por contos tradicionais árabes e geralmente são os contos que mais narro. Mas vou pesquisando de tudo um pouco. Acho que o contador deve ler, ler e ler muito, buscar aquilo com que mais se identifica para narrar. Acho que quando gostamos muito daquilo que contamos passamos isso para o público.

Minha fonte de pesquisa também são as pessoas dos locais aonde vou. Gosto de coletar histórias, ouvir, gravar. Aqui em Portugal há muitas aldeias e o país é muito rico em histórias e lendas. Estou sempre a aprender e a buscar. Contos portugueses, brasileiros, russos, chineses, africanos…

Os encontros e festivais são outra fonte, pois, conhecendo pessoas de outros países, também vou conhecendo mais sobre outras culturas e me interessando por elas.

  • É filiada a algum grupo que leia junto, que conte histórias ou otra cosita más?

Não. Trabalho sozinha, mas busco me encontrar com outros contadores para trocar um dedinho de prosa sobre nossa profissão, sobre histórias e referências. Também tenho o hábito de ver trabalhos diferentes e ouvir outros narradores.

A Clara adora contar… “O homem sem sorte”, pois é uma história com a qual me divirto narrando, além de ser muito bonita. Ela fala de algo que sinto ser bem atual: as pessoas não olham com olhos de ver a vida e o presente. Elas deixam-se seguir e vivem se lamentando, sem mudar o que lhes incomoda ou o que consideram “falta de sorte”. E seguem assim, até que, em um belo dia, são devoradas pelo lobo.

  • Um título indispensável na cabeceira de um contador de histórias.

Pode ser dois? “O Narrador”, de  Walter Benjamin, e “O Poder do Mito”, de Joseph Campbell.

duend

 Comentários que pipocaram quando a entrevista com a Clara Haddad foi pro ar:

  • Sou muito apaixonada pelo trabalho de Clara Haddad. Ela tem um poder de encantar a todos quando conta suas histórias. Realmente O HOMEM SEM SORTE é uma história lindíssima que nos leva a refletir sobre as oportunidades que perdemos na vida. Aprendi esta história de origem africana com Clara e sempre conto para minhas crianças da escola onde trabalho (sou professora de sala de leitura). É interessante como as crianças “se manifestam” todas as vezes que o homem “não percebe a sorte que está a sua frente”. Para mim Clara Haddad é sensacional.
    Léo Cunha também merece o nosso carinho pelo trabalho que tem realizado. Parabéns! Seu Blog está ótimo.
    Um abraço.
    Denise Almeida
  • Sou um contador português, e amigo da Clara; além da competência, ela veio trazer-nos o sabor dos contos dum clima tropical, envolto na sua graça menineira! Boa contadora e boa Amiga – estamos de parabéns. José Paula Santos:
  • Sensacional este Blog!
    Escrevo pois tinha que parabenizá-lo por estas entrevistas.Gostei muito de saber mais sobre o Léo Cunha; quanto a Clara Haddad esta eu já conhecia, frequentei uma oficina dela e sai embevecida, ela é mesmo um espetáculo! Tem um trabalho lindo que merece ser visto e conhecido, além de ser uma pessoa rara com um coração maior do que ela.
    Obrigada por dispor essas entrevistas lindas e interessantes. Parabéns Laerte! Carla Morais.
 
 
 

Bernardo Zurk

http://zurkdarma.blogspot.com/

Bernardo Zurk é contador de histórias e arte-educador.
Era figurinha carimbada nas nossas sessões de histórias na Casa da Leitura. Além disso, sempre acompanhava seu pai, o bibliotecário e também contador Domingos Gonzalez Cruz, na Hora do Conto da  Biblioteca Maria Mazetti, na Casa de Rui Barbosa, RJ.
Deu no que deu: um contador de histórias com características muito próprias, principalmente para histórias que têm um pé no humor.
Laerte Vargas: Filho de peixe, peixinho é? Conte pra gente como a contação de histórias aconteceu na sua vida.
Bernardo Zurk: A contação de histórias começou na minha vida através do gosto de ouvir histórias. Quando pequeno, meu pai e minha mãe me contavam histórias antes de dormir. Meu pai trabalhava na Biblioteca Infantil Maria Mazzetti e sempre me estimulou à leitura. Parte da minha infância foi nesta biblioteca, repleta de atividades como “A hora do conto” e outras, arte-educativas, voltadas para crianças.
Do gosto de ouvir histórias surgiu a vontade de contá-las. Em 1995, meu pai fez a oficina de contadores de histórias na Casa da Leitura, com o Francisco Gregório. Fiquei muito interessado pelo que vi e comecei, por conta própria, a me aventurar com as primeiras narrativas. Tinha apenas 14 anos… Meu pai, vendo isso, resolveu me estimular mais e acabei fazendo a oficina do Gregório. Em seguida, passei a fazer parte do grupo que meu pai tinha na época, o “Faz de conta”. O grupo acabou, mas eu não parei mais…
Tem alguma preferência na escolha de repertório?
Gosto de contos populares bem-humorados (conto poucos contos autorais; particularmente, os evito), que contenham aspectos cômicos em sua estrutura ou que me permitam encontrar a graça na situação narrada e fazê-la vir à tona. Mas é importante que, ao mesmo tempo, eles possuam algo de sábio, algo de sabedoria de vida, porém não moralista. Odeio histórias didáticas ou com moral “emburrecedora”.
 
Em uma boa história não pode faltar…
Comicidade e sabedoria (experiência de vida).
Como se dá o seu processo de internalização de um conto?
Leio uma vez: gostei, leio de novo, de novo e de novo. Fico empolgado e acabo contando, ainda que com minhas palavras num primeiro momento, para alguém que seja bem próximo. Depois reescrevo, dando a minha cara para ele. A partir daí, é preciso narrá-lo muitas vezes para que, naturalmente, eu possa ir aperfeiçoando-o. Acho que é por isso que não possuo um repertório vasto, pois gosto de burilar cada uma de minhas histórias, para que possam ser contadas cada vez com mais verdade e gosto. Quando acho que as mais antigas estão bem, é que busco um conto novo.
Ocasionalmente acontece de amar uma história que ouvi alguém contar e aí começo a trabalhar essa história, colocando o meu jeito, para depois incorporá-la ao meu repertório.

 

Tem experiência com público adolescente, não é? Qual sua opinião a respeito?
São maravilhosos e exigentes. Deveríamos dar mais oportunidades a essa platéia. É gratificante conquistá-los. Não podemos ter o preconceito de achar que adolescente não gosta de ouvir histórias. Tudo depende da forma como você os aborda, da história que você conta e do seu jeito de contar.
Usa adereços, elementos cênicos ou otras cositas más?
Normalmente não, mas depende da história. Sou meio purista nesse sentido. Acho que o conto tem que ter sua independência. É preciso que ele seja livre para que eu possa contá-lo sempre que desejar e quando menos esperar. Por isso, uso muito o recurso corporal e vocal: gosto de fazer vozes e brincar com a expressão corporal. Evito depender de objetos que me impeçam de contar a história em situações não programadas, entende? No mais, a imaginação dos ouvintes dá conta do recado. O conto tem que ser livre para acontecer e ser imaginado.
Do meu repertório, em apenas duas histórias eu uso o recurso de objetos. Uma delas é “Patinho feio”, que utilizo um fantoche de pato, um ovo de plástico e uma buzininha para fazer o “quaque” do patinho feio. A outra é “Os três porquinhos”, que conto utilizando bonecos e casinhas de dobradura. Na verdade, uso esse recurso nessas duas histórias porque comecei a contá-las para crianças pequenas (entre 3 e 4 anos) e os objetos, neste caso, criam uma dinâmica que auxilia na concentração dos pequenos, que é de curta duração.
No meio de uma história, algo inusitado acontece. Tem algum episódio assim para contar pra gente?
Sim, e foi muito engraçado. Estava contando “A sopa de pedra”, no jardim da Fundação Casa de Rui Barbosa, para crianças da colônia de férias “Atelier da Floresta”. No meio da história, começou a vazar água do “ladrão” da caixa d’água do museu, bem próximo ao lugar onde nos encontrávamos. O barulho, evidentemente, chamou a atenção das crianças e, por pouco, não perco a história. Minha sorte foi que isso ocorreu justamente no momento da narrativa em que contava que Pedro Malasartes estava enchendo a panela de água para fazer a sopa. Bem, nessa versão inusitada, Pedro Malasartes encheu a panela com a água do “ladrão” que vazava da caixa d’água da velha. Ter incorporado esse incidente à história provocou muito riso nas crianças.
 
Uma receita de bolo.
Bolo de sonhos
Ingredientes:
Desejo de ser e fazer alguém feliz;
Pitadas de amor e sensibilidade;
Pelo menos uma memória pessoal que toque carinhosamente o seu coração;
Risadas a gosto.
Modo de preparo:
Pegue o desejo pelo rabo e unte com a memória pessoal do seu coração. Em seguida, misture-o com pitadas de amor e sensibilidade da mais alta categoria interior. Logo depois, presenteie-o a alguém muito querido. Em seguida, colha os risos dessa pessoa e junte a essa gostosa mistura. Em pouco tempo o seu bolo de sonhos estará prontinho.
Como servir:
Sirva-o infinitamente. O bolo de sonhos, além de ser inesgotável, fica mais gostoso a cada vez que você o oferece a alguém.
CANTO DOS CONTADORES ENTREVISTAS
PÉ DE PATO, MANGALÔ, TRÊS VEZES DICAS PARA CONTADORES DE HISTÓRIAS